segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Os Oleiros de Molelos em 1905

 

 
 
Excerto de parte do relatório, publicado em 1905, sobre os oleiros de Molelos e as condições de vida miseráveis que os mesmos tinham, no início do século XX.
 
Concelho de Tondella
 
"(…) Neste concelho exerce-se a industria ceramica nas freguesias de Mollelos e Tondella.
Freguesia de Mollelos - É a freguesia de Mollelos o centro mais importante de fabricação de louça preta que existe em Portugal, apesar de não haver em toda ella uma unica fabrica para o regular exercício, d’esta industria.
 
É, pois, uma industria meramente caseira, que quasi todos os habitantes d’esta freguesia exercem por necessidade, visto que, na maioria dos casos, constitue a unica herança que os seus antepassados lhes legaram.
 
Nesta freguesia, aliás muito populosa, exceptuando as casas de alguns proprietários, cada habitação é uma officina, cujo mestre é o chefe da familia, tendo como únicos operários a mulher e os filhos.
Tanto os mestres das officinas como os seus operários são geralmente desprovidos de instrucção, tornando-se por esse facto admiráveis o modo como eiles apuram as variadas formas das suas louças, a maneira relativamente notável como as enfeitam e o brilhante polimento que lhes dão, o qual em muitos casos é de um efteito bellissimo.
 
O genio artístico d’estes rudes oleiros é tanto mais para admirar quanto é certo que as suas acanhadas e miseráveis officinas se acham completamente desprovidas de moldes e outros aprestes indispensáveis para a fabricação da louça.
 
Os únicos utensílios de que se servem são pequenas rodas ou tornos de oleiro, umas palmetas de madeira de cerejeira, a que eiles cbamam achas, umas pequenas réguas de cana, uns trapos velhos, uns pequenos calhaus rodados ou seixos lisos, umas lousas para amassarem o barro e algumas pequenas tábuas ou bocados para enxugadouro da louça.
 
A maneira como os oleiros de Mollelos adquirem os materiaes necessarios para o exercicio da sua industria é um verdadeiro flagello para os proprietários d’aquella localidade.
 
Aquelles artistas, não tendo em geral outro património alem das pobres casas em que habitam e do officio que seus antepassados lhes legaram, teem de viver do producto da venda das louças que fabricam, julgando-se muito felizes aquelles que podem apurar o indispensável para o seu sustento e de suas famílias.
 
Não lhes sobejando com que possam .comprar os materiaes que necessitam, recorrem aos proprietários, que quasi sempre se recusam a satisfazer aos pobres oleiros os seus constantes pedidos.
Achando-se então desprotegidos, lutando com a miséria, para não soffrerem com as suas famílias as maiores privações, vêem-se obrigados a roubar o barro com que fabricam a louça, os pinheiros com que armam os sequeiros a lenha, o mato e as leivas com que a cozem como o unico meio que lhes resta para exercerem a sua industria.
 
Para adquirirem o barro abrem umas galerias subterrâneas, de onde com muita diíficuidade o extraem, transportando-o em sacos e cestos ás costas, e algumas vezes também em gamelas, a grandes distancias das officinas.
 
A acquisição d’esta matéria prima, comquanto lhes seja penosa, não lhes offerece grandes perigos, porque os proprietários, compadecidos da miséria dos pobres oleiros, toleram-lhes que a explorem nos seus terrenos, com tanto que os não prejudiquem muito.
 
 

 
Não acontece o mesmo com as lenhas, com os pinheiros verdes, com o mato e com as leivas, que lhes são necessários para a cozedura da louça, tendo por isso de adquirir esses materiaes de noite, ás escondidas dos donos, e assim mesmo são muitas vezes perseguidos por elles, travando-se renhidas lutas entre uns e outros, cujos resultados são sempre funestos para os desgraçados oleiros, que já repetidas vezes teem sido presos e encarcerados na cadeia aos grupos de trinta e mais de cada vez.
Também já por vezes os proprietários se teem visto obrigados a reclamar das autoridades competentes o auxilio da força armada, para verem se assim faziam respeitar as suas propriedades, mas nada puderam conseguir, porque a quasi totalidade da população d’aquella freguesia é composta de familias oleiras, a maior parte das quaes nada mais possue que o exercicio da sua industria, estando todos, por esse facto, collocados na triste contingência de terem de roubar nas propriedades particulares tudo quanto precisam para exercê-la, ou morrerem de fome, elles e suas familias, por não estarem habituados, nem , mesmo saberem ganhar a vida por outra forma.
 
É este um dos casos digno de ser estudado pelos poderes públicos, visto que, só nesta freguesia de Mollelos, se acham empregados no exercicio d’esta industria não menos de 600 homens, 700 mulheres e 800 rapazes e raparigas menores de 16 annos, ou sejam mais de 400 familias, que se veem obrigadas a viver da pilhagem para occorrem ás necessidades da vida.
 
Estes pobres artistas, bem dignos de melhor sorte, fabricam por anno uma enorme quantidade de louça preta fosca e brunida no valor não inferior a õ0:000$000 réis, a qual vendem em diferentes pontos do país, chegando mesmo a exportar grande quantidade d’ella para Espanha".
 
in: THEMUDO, Fortunato Augusto Freire- "Estudo sobre o Estado actual da Industria Ceramica" na 2ª Circumpscripção dos Serviços Technicos da Industria", Lisboa, Imprensa Nacional, 1905, pp 155-62.
Imagem do mestre oleiro João Lourosa (1918-2002), retirada do catálogo "Turismo Dão Lafões", editado pelo "Turismo de Portugal", s/d.
 
(Obrigado ao José Alberto Coimbra pela identificação do oleiro!).
 
Imagem meramente ilustrativa da actividade de oleiro, sem qualquer intenção de ligação entre este oleiro especifico, contemporâneo, e o texto abordado sobre a realidade dos oleiros em 1905).

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